Uma importante descoberta científica pode transformar o combate ao vírus Zika no Brasil. Pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical (IMT), da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo concluíram os testes em camundongos, em laboratório, e as respostas foram consideradas satisfatórias, com um imunizante seguro e eficiente.

O desenvolvimento dessa vacina pode transformar a prevenção de uma doença que marcou profundamente a história recente do país, especialmente entre 2015 e 2016, quando o vírus foi associado a casos de microcefalia em recém-nascidos.

Vacina sendo preparada para combate ao vírus Zika em laboratório.
Pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical da USP preparam vacina contra o vírus Zika, prometendo transformação na prevenção da doença. Imagem: Pinterest.

Resultados promissores dos testes em laboratório

Os testes foram realizados em camundongos geneticamente modificados – mais suscetíveis ao vírus zika –, e mostraram que a vacina induziu à produção de anticorpos que neutralizaram o vírus. A eficácia do imunizante foi demonstrada de forma consistente, com os animais desenvolvendo proteção contra a infecção.

Os pesquisadores avaliaram de forma abrangente a eficácia da vacina. O imunizante também não permitiu que a infecção prosperasse, levando a sintomas e lesões. Além disso, os pesquisadores investigaram ainda os efeitos da infecção pelo vírus zika em diversos órgãos de camundongos, como rins, fígado, ovários, cérebro e testículos, com sucesso principalmente nos dois últimos.

A proteção contra lesões cerebrais e testiculares representa um avanço particularmente importante, considerando que essas são complicações graves associadas ao vírus Zika. O cérebro é especialmente vulnerável, podendo resultar em complicações neurológicas severas, enquanto os testículos podem ser afetados, causando problemas de fertilidade.

Tecnologia inovadora: plataforma VLP

A vacina desenvolvida na USP utiliza uma tecnologia avançada e comprovada. O imunizante usa plataforma do tipo “partículas semelhantes ao vírus” (VLPs, da sigla em inglês de virus-like particles), uma opção em outros imunizantes, como aqueles para Hepatite B e para HPV.

As VLPs representam uma abordagem inteligente para o desenvolvimento de vacinas. Essas partículas têm a estrutura externa do vírus, permitindo que o sistema imunológico as reconheça como uma ameaça, mas não contêm o material genético viral. Isso significa que não podem causar infecção, tornando a vacina segura mesmo para populações vulneráveis.

A estrutura usada foi o antígeno EDIII, uma parte da proteína do envelope do vírus zika cuja função é se conectar a um receptor nas células humanas. Esta escolha estratégica permite que a vacina seja direcionada especificamente para bloquear o mecanismo de infecção do vírus.

Líder da pesquisa: trajetória de excelência

O projeto é liderado pelo Dr. Gustavo Cabral de Miranda, um pesquisador com formação internacional e experiência consolidada. Gustavo Cabral de Miranda, o médico que lidera o grupo de pesquisadores, esteve em Oxford entre 2014 e 2017 e participou da plataforma de desenvolvimento realizada pelo Instituto Jenner.

A experiência internacional do pesquisador foi fundamental para o projeto. Deste grupo saiu a base da tecnologia adaptada com a empresa AstraZeneca, um dos primeiros imunizantes ocidentais utilizados na pandemia de 2020. Essa conexão com tecnologias que já foram aplicadas com sucesso em larga escala oferece credibilidade adicional à pesquisa.

Miranda tem formação sólida e experiência diversificada. Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Mestrado em Imunologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutorado em Imunologia, no Dpto. de Imunologia, Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-IV) da Universidade de São Paulo (USP).

Próximos passos: testes em humanos

O próximo desafio é significativo tanto do ponto de vista científico quanto financeiro. O grupo busca financiamento para as próximas fases de pesquisa, envolvendo populações humanas. Como isto envolve milhões de reais, é um processo demorado.

Enquanto buscam recursos para os testes clínicos, os pesquisadores não param de trabalhar. Paralelamente, testam outras soluções, como vacinas de RNA mensageiro, além de diferentes estratégias heterólogas e homólogas de imunização. Essa abordagem múltipla aumenta as chances de sucesso e pode resultar em diferentes opções vacinais para diferentes populações.

O financiamento atual vem de fontes nacionais. As pesquisas, até o momento, tiveram financiamento da agência estadual de pesquisas, a Fapesp. O apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo demonstra o reconhecimento da importância estratégica deste projeto para o país.

Desafios da produção de vacinas no Brasil

O desenvolvimento de vacinas enfrenta desafios estruturais no país. “Toda e qualquer produção vacina é um processo não tão simples. Para montar uma planta, como a gente diz na ciência, montar uma fábrica de produção de vacina, sempre vai haver essa necessidade de buscar mudanças. Hoje o mais comum são fábricas de vacinas tradicionais. Então, naturalmente, o que tem mais chance de avançar são pesquisas com vacinas tradicionais”, explica Miranda.

A experiência do pesquisador oferece perspectivas valiosas sobre as possibilidades tecnológicas. “Lá estudamos o ChAdOx1 (um adenovírus de Chimpanzés alterado em laboratório) para aplicações em malária, zika, chikungunya, entre outras. E isso gerou tanto conhecimento da capacidade da tecnologia que, quando surgiu a pandemia, surgiu um financiamento muito grande e a tecnologia avançou de maneira muito rápida em direção às aplicações práticas”, contou Miranda à Agência Brasil.

Cenário epidemiológico atual do vírus Zika

O vírus Zika continua sendo uma preocupação de saúde pública no Brasil. Este apresentou 168 casos prováveis no país – uma redução de 38,5% em relação a 2024. Embora os números sejam menores em comparação a outros arbovírus, a vigilância permanece importante.

A distribuição geográfica dos casos mostra padrões específicos. As regiões Norte e Sudeste concentram os maiores índices, especialmente nos estados do Espírito Santo, Acre e Tocantins. Essa informação é relevante para direcionar futuras estratégias de vacinação.

A situação em gestantes requer atenção especial. Em gestantes, foram notificados 48 casos prováveis, com três confirmações. Considerando a associação histórica entre infecção por Zika durante a gravidez e complicações fetais, esses números justificam a importância do desenvolvimento de uma vacina eficaz.

Dúvidas Frequentes

Quando a vacina contra Zika estará disponível para a população?
A vacina ainda está em fase de testes pré-clínicos. Os pesquisadores precisam obter financiamento para iniciar os testes em humanos, que podem levar alguns anos para serem concluídos. Não há prazo definido para disponibilização ao público.

A vacina protege contra outras doenças transmitidas pelo Aedes aegypti?
A vacina desenvolvida é específica para o vírus Zika. Embora os pesquisadores estejam trabalhando com diferentes estratégias que poderiam ser aplicadas a outros vírus como dengue e chikungunya, cada doença requer uma vacina específica.

Qual é a diferença entre a tecnologia VLP e outras vacinas?
As VLPs (partículas semelhantes ao vírus) são estruturas que imitam o vírus externamente, mas não contêm material genético viral. Isso as torna seguras, pois não podem causar infecção, mas ainda estimulam uma resposta imunológica eficaz.

Por que os testes foram feitos em camundongos geneticamente modificados?
Os camundongos comuns não são naturalmente suscetíveis ao vírus Zika. A modificação genética os torna mais vulneráveis à infecção, permitindo testar a eficácia da vacina em condições que simulam melhor a infecção humana.

Quanto custa desenvolver uma vacina do início ao fim?
O desenvolvimento de uma vacina pode custar milhões de reais, considerando todas as fases de pesquisa, testes pré-clínicos, estudos clínicos em humanos, produção e aprovação regulatória. O valor exato varia conforme a complexidade do projeto.

Como é feito o diagnóstico do vírus Zika atualmente?
O diagnóstico é feito através de exames laboratoriais que detectam o vírus ou anticorpos específicos. Os exames estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) e incluem testes moleculares e sorológicos.

Quais são os principais sintomas do vírus Zika?
Os sintomas incluem febre baixa, manchas vermelhas na pele, conjuntivite, dores musculares e articulares, e dor de cabeça. Muitas pessoas infectadas podem não apresentar sintomas, o que dificulta o controle da doença.

Gestantes podem receber a vacina quando ela estiver disponível?
Essa questão será determinada durante os testes clínicos. Como o vírus Zika pode causar complicações graves na gravidez, incluindo microcefalia, gestantes serão provavelmente um grupo prioritário, mas a segurança precisa ser rigorosamente comprovada primeiro.

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