Nos anos recentes, ocorreu uma mudança na maneira como os brasileiros lidam com a depressão. De acordo com um estudo conduzido pelo instituto Hibou, 94% dos brasileiros agora reconhecem a depressão como uma condição médica legítima. Esse número representa um aumento significativo em relação aos 80% registrados há sete anos, sinalizando uma conscientização crescente sobre a gravidade dessa doença.
Ligia Mello, diretora de estratégia da empresa de pesquisas Hibou Insights, explica: “As pessoas perceberam que não é frescura, não é apenas se mexer, se levantar e fazer alguma coisa. Elas começaram a entender que a depressão paralisa as pessoas.” Essa mudança de mentalidade é um passo essencial para combater o estigma e a desinformação que historicamente cercaram a depressão.
Causas subjacentes
O estudo também revelou os principais fatores que contribuem para o desenvolvimento de quadros depressivos. Liderando a lista, com quase 70% das respostas, estão as dificuldades financeiras ou de ascensão profissional. Em seguida, a falta de perspectiva econômica e o desemprego foram apontados por 60% dos participantes.
Além disso, o excesso de trabalho, o estresse e a falta de perspectiva de vida (ambos com 53%) foram identificados como motivadores significativos para pensamentos suicidas, conforme a pesquisa. Esses dados ressaltam a importância de abordar não apenas os aspectos médicos da depressão, mas também os fatores socioeconômicos e as pressões psicológicas que podem desencadear ou piorar essa condição.
Sinais de alerta
À medida que a conscientização sobre a depressão aumenta, os brasileiros também estão se tornando mais atentos aos sinais e sintomas dessa condição em seus entes queridos. Cerca de 6 em cada 10 participantes do estudo relataram ter identificado sintomas depressivos em amigos, como ficar mais silencioso que o normal (33%), desinteresse geral (30%) e afastamento de interações sociais (29%).
Outros sinais comumente observados incluíram dormir em excesso (17%), postagens relacionadas ao momento (11%), busca por automedicação (11%) e negligência com a higiene pessoal (11%). Esta habilidade de identificar os sinais de alerta é essencial para fornecer suporte e incentivar a procura por tratamento apropriado.
Procurando ajuda profissional
Apesar do aumento da conscientização sobre este problema, ainda existem obstáculos a serem vencidos. De acordo com o psiquiatra Arthur Danila, coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, a maioria das pessoas ainda sofre em silêncio, sozinha e com medo do julgamento social.
No entanto, a pesquisa revelou que mais de 80% dos participantes aconselharam amigos com sintomas depressivos a procurar ajuda profissional, com 90% indicando psicólogos e psiquiatras como os melhores caminhos para o tratamento. Danila enfatiza a importância de buscar ajuda: “Pedir ajuda é um ato de extrema coragem. Mostra maturidade e autoconhecimento.”
Impacto na saúde mental
Além da depressão, o estudo também revelou outros pontos alarmantes ligados à saúde mental da população brasileira. Cerca de 84% dos participantes relataram se sentir mais cansados, 80% estressados e 81% esquecidos em comparação com anos anteriores.
De acordo com Danila, esses sintomas estão ligados à ansiedade, um transtorno mental prevalente no Brasil. Ele explica: “Em momentos de inseguranças e incertezas, as pessoas tendem a ficar mais ansiosas e apreensivas. Na tentativa de ter controle da situação e resolver todos os problemas de suas esferas sociais, podem ficar agressivas. Com isso, tendem a gastar muita energia, não conseguem focar sua atenção, não resolvem nenhum problema e acabam se queixando de que esqueceram das coisas.”
Superando o estigma
Apesar dos desafios, a pesquisa do instituto Hibou é um sinal encorajador de que os brasileiros estão superando gradualmente o estigma em torno da depressão. Ligia Mello ressalta a importância de continuar a conversa: “A pandemia ajudou muito as pessoas a entenderem a vulnerabilidade e a finitude da vida. O principal é continuar falando, mostrando que essa doença está próxima e latente na maioria das pessoas para cada vez mais desmistificar essa situação.”
À medida que a compreensão sobre a depressão cresce, é essencial que os esforços para promover a conscientização, o acesso a tratamentos e o apoio às pessoas afetadas continuem. Somente por uma abordagem abrangente poderemos criar uma sociedade mais inclusiva e acolhedora para aqueles que enfrentam desafios de saúde mental.
Impacto familiar e social
A depressão não se restringe ao indivíduo, mas também exerce uma influência considerável no contexto familiar e social. Quando um membro da família ou um amigo próximo enfrenta essa condição, é comum que os relacionamentos sejam tensionados e que haja uma sensação de impotência e preocupação por parte dos entes queridos.
Conforme a pesquisa, 28% das pessoas afirmaram não se sentirem à altura das expectativas da família ou dos amigos. Esta sensação de inadequação pode intensificar os sintomas depressivos, gerando um ciclo contínuo de autoestima reduzida e afastamento social.
Ligia Mello observa: “Os jovens, principalmente, estão aflitos em cumprir a expectativa que os outros criaram para eles. Acredito que isso é um pouco do excesso de esperança que o brasileiro tem. Aquele lema de não desistir nunca. Sempre acreditamos que tudo vai dar certo no final, mas não é bem assim. E depois vem a frustração, a tristeza extrema por não ter conseguido alcançar aquele objetivo, e vem o quadro depressivo.”
Importância do apoio familiar
Nesse contexto, o papel da família e dos amigos torna-se fundamental no enfrentamento da depressão. Oferecer um ambiente acolhedor, compreensivo e livre de julgamentos pode fazer uma grande diferença na jornada de recuperação do indivíduo afetado.
É de suma importância que parentes e amigos íntimos estejam vigilantes aos sinais de alerta e incentivem a procura por auxílio profissional quando for preciso. Ao mesmo tempo, é essencial respeitar os limites e as necessidades individuais, evitando pressões desnecessárias ou expectativas irrealistas.
Recursos e suporte disponíveis
Felizmente, existem diversos recursos e serviços de suporte disponíveis para aqueles que enfrentam a depressão no Brasil. Organizações como o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferecem atendimento gratuito e confidencial por meio de linhas telefônicas, chat online e outras plataformas.
Além disso, há uma crescente conscientização sobre a importância da terapia e do acompanhamento médico adequado. Psicólogos, psiquiatras e outros profissionais de saúde mental estão cada vez mais preparados para fornecer tratamentos eficazes e personalizados, combinando abordagens farmacológicas e terapêuticas.
Desafios contínuos
Embora os avanços sejam encorajadores, ainda há desafios significativos a serem enfrentados no combate à depressão no Brasil. Segundo a pesquisa, 4 em cada 10 pessoas não recorreram à ajuda especializada em momentos de crises depressivas ou pensamentos suicidas.
Essa relutância em buscar apoio pode ser atribuída a diversos fatores, como o medo do estigma, a falta de recursos financeiros ou a crença de que os problemas podem ser resolvidos sozinhos. É fundamental continuar trabalhando para derrubar essas barreiras e garantir que todos tenham acesso aos cuidados de saúde mental de que necessitam.