O transtorno dissociativo é uma condição mental em que uma pessoa experimenta uma desconexão ou separação entre pensamentos, memórias, consciência, identidade ou percepção do ambiente. Essa dissociação pode ser uma resposta a eventos traumáticos ou estressantes, onde a mente se protege, separando-se da realidade para lidar com a dor ou o trauma. Essas vivências, conhecidas como dissociações, são fenômenos comuns e, na maioria dos casos, inofensivos. No entanto, existem situações em que a dissociação se torna recorrente e prejudicial. A seguir, serão explorados as causas desse transtorno, sintomas e abordagens terapêuticas.
Compreendendo a dissociação
Antes de entender os transtornos dissociativos, é fundamental compreender o conceito de dissociação. Trata-se de uma falha na integração das memórias, percepções e identidade de um indivíduo. Em outras palavras, é como se houvesse uma desconexão temporária entre a mente e a realidade.
Embora possa parecer preocupante, a dissociação é um fenômeno natural e comum na vida de todas as pessoas. Quantas vezes você já se pegou dirigindo e, ao chegar ao destino, não conseguia se lembrar de parte do trajeto? Ou então, ficou tão absorvido em uma atividade que perdeu a noção do tempo? Esses são exemplos típicos de dissociação leve e transitória, que ocorrem sem causar danos significativos.
Quando a dissociação se torna um transtorno
No entanto, existem casos em que a dissociação ultrapassa os limites da normalidade, tornando-se crônica e prejudicial à vida do indivíduo. Nesses cenários, estamos diante dos chamados transtornos dissociativos, uma categoria de distúrbios mentais caracterizados pela fragmentação da identidade, memória e percepção da realidade.
Os transtornos dissociativos podem afetar profundamente a continuidade dos pensamentos, memórias, ações e senso de identidade de uma pessoa. O indivíduo vivencia um distanciamento involuntário da realidade, enfrentando dificuldades em se lembrar de eventos passados, o que pode ser extremamente prejudicial, dependendo da intensidade e duração da dissociação.
Principais transtornos dissociativos
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), os transtornos dissociativos mais comuns são:
Amnésia dissociativa
A amnésia dissociativa se caracteriza pela incapacidade de uma pessoa em recordar informações importantes sobre si mesma, suas experiências ou aspectos de sua identidade. Diferente do esquecimento comum, as memórias “perdidas” geralmente envolvem eventos traumáticos, especialmente aqueles vivenciados durante a infância.
Existem três subtipos de amnésia dissociativa:
- Localizada: refere-se ao esquecimento de um evento ou período de tempo específico.
- Seletiva: a pessoa não é capaz de recordar detalhes específicos de um acontecimento.
- Generalizada: neste caso mais grave, a pessoa perde completamente a noção de sua identidade e história de vida.
Transtorno dissociativo de identidade
O transtorno dissociativo de identidade, anteriormente referido como “personalidade múltipla”, é uma condição complexa na qual a desintegração da identidade de um indivíduo é tão acentuada que ele exibe vários estados de personalidade diferentes, conhecidos como “alters”.
O indivíduo sente como se existissem várias pessoas dentro de si, cada uma com suas próprias características, memórias e histórias de vida. Esses “alters” podem variar em gênero, idade e até mesmo em traços físicos, como maneirismos e expressões faciais.
Esse transtorno geralmente tem suas raízes na infância, quando a criança sofre abusos recorrentes e severos. Nessa fase de desenvolvimento, a personalidade ainda não está totalmente integrada, o que pode levar à formação de múltiplas identidades como um mecanismo de defesa contra o trauma.
Transtorno de despersonalização/desrealização
Nesse transtorno, a pessoa vivencia sensações recorrentes de despersonalização, ou seja, uma desconexão consigo mesma, e/ou desrealização, que é a sensação de que o mundo ao seu redor é irreal ou estranho.
Embora essas experiências possam ocorrer ocasionalmente em indivíduos saudáveis, quando se tornam frequentes, intensas e duradouras, causando prejuízos significativos, podem ser consideradas um transtorno dissociativo.
Vale destacar que, nessas situações, o indivíduo mantém a percepção da realidade e compreende que está experimentando um estado de alteração. Não há perda de contato com a realidade, como ocorre em condições psicóticas.
Causas dos transtornos dissociativos
Frequentemente, os transtornos dissociativos são causados por eventos traumáticos intensos, particularmente aqueles experimentados durante a infância. Situações como abusos físicos, emocionais ou sexuais, negligência parental, acidentes graves, desastres naturais ou a perda de entes queridos podem levar ao desenvolvimento desses distúrbios.
A dissociação é considerada um mecanismo de defesa psicológica, uma forma inconsciente de lidar com situações de estresse extremo. Ao se distanciar emocionalmente do trauma, a mente tenta proteger o indivíduo do sofrimento intenso. No entanto, quando esse mecanismo se torna crônico, pode resultar em transtornos dissociativos.
Além disso, há uma forte ligação entre os transtornos dissociativos e outros distúrbios relacionados a traumas, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e o transtorno de estresse agudo. Esses transtornos compartilham sintomas dissociativos, como amnésia, flashbacks, despersonalização e desrealização.
Sintomas dos transtornos dissociativos
Os sintomas dos transtornos dissociativos podem variar de acordo com o tipo de distúrbio, mas geralmente incluem:
- Perda da continuidade da experiência
- Amnésia dissociativa (perda de memórias importantes sobre si mesmo)
- Sensação de desprendimento de si mesmo ou das próprias emoções (despersonalização)
- Sensação de desconexão com o ambiente e as pessoas ao redor (desrealização)
- Fragmentação da identidade
- Dificuldade em se lembrar de acontecimentos passados
Esses sintomas podem ser extremamente perturbadores e afetar significativamente a vida do indivíduo, comprometendo suas relações interpessoais, desempenho profissional e bem-estar geral.
Tratamento dos transtornos dissociativos
O tratamento dos transtornos dissociativos geralmente envolve psicoterapia e, em alguns casos, medicação para lidar com sintomas específicos.
Psicoterapia
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma das estratégias de tratamento mais frequentemente empregadas para os transtornos dissociativos. Essa modalidade terapêutica ajuda o indivíduo a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento disfuncionais, além de trabalhar na elaboração dos traumas subjacentes.
Outra estratégia empregada é a terapia dialética-comportamental, uma variação da TCC destinada a pacientes de risco elevado, como aqueles que apresentam pensamentos suicidas recorrentes.
O objetivo da psicoterapia é auxiliar o indivíduo a integrar as partes fragmentadas de sua identidade, memória e percepção da realidade, promovendo uma maior coesão e estabilidade emocional.
Medicação
Embora não existam medicamentos específicos para o tratamento dos transtornos dissociativos, em alguns casos, pode ser indicado o uso de antidepressivos ou ansiolíticos para lidar com comorbidades, como depressão ou ansiedade, que podem exacerbar os sintomas dissociativos.
É importante ressaltar que a medicação deve ser utilizada em conjunto com a psicoterapia, e nunca como único tratamento para os transtornos dissociativos.